Escrito pelo Prof. Roberto Macedo
O ensino nas escolas tem tradição centenária no seu modo, tipicamente a de um professor falando a alunos que fazem anotações, e leem uma bibliografia recomendada. O conhecimento ministrado é usualmente aferido por provas, autoria de textos, exames orais e outras formas que demonstram se os alunos assimilaram o que foi ensinado.
Talvez essa tradição seja até mesmo milenar ou próxima disso, pois sabe-se que a primeira universidade do mundo ocidental surgiu na Idade Média, a de Bologna, fundada em 1088. Mas, há quem aponte uma ainda mais antiga, do mundo oriental, a de Al-Azhar, no Cairo, criada em 998 pelo vizir Yaqub “… para que o califa Aziz ministrasse instrução e alimentação a 36 estudantes da mesquita. Focada na Teologia e visando resolver os problemas entre a fé e a ciência, a instituição cresceu e atraiu mestres e alunos de todo o mundo muçulmano.”[1]
Em toda a minha carreira estudantil passei por essa maneira de receber o ensino. Recentemente, passei a colaborar no projeto de uma nova faculdade, como seu diretor acadêmico, e resolvi pesquisar se não havia alternativas a essa forma de ensinar em que o aluno é um objeto, sem maior protagonismo. Como neste ano voltei a dar aulas na USP, como professor voluntário, observei também o que lá ocorria, e vi que essa antiguidade didática ainda é praticada pela maioria dos professores.
No que pesquisei, encontrei duas maneiras diferentes de ensinar que podem ser usadas em combinação com a tradicional ou separadas dela. Essas duas maneiras também podem ser usadas separadamente ou em conjunto. Não consegui identificar quando surgiram, mas vi que elas integram avaliações de tendências quanto ao que hoje ocorre nas escolas.
O ensino baseado em competências
Procurando na internet, vi referências a esse tipo de ensino, e adquiri um livro a respeito.[2] De modo bem sintético, o foco dele é num programa de treinamento usado por empresas, nas quais o livro aponta que 90% das competências são assimiladas no próprio trabalho, e se propõe a aprimorar esse processo para que ele seja mais eficaz nos seus resultados. Também é dito que a ideia pode ser aplicada no ensino por professores que se disponham a aproveitar práticas usadas no meio empresarial com esse objetivo. É o meu caso.
Revendo minha experiência pessoal quanto a competências, lembro-me de que na juventude aprendi em casa e no trabalho a ser um bom datilógrafo, o que me ajudou muito não apenas quando passei a trabalhar como bancário aos 15 anos. Tem sido de grande valia até hoje, pois no curso de graduação e no pós tive que escrever diversos artigos, dissertação e tese, e depois vários livros, em que essa competência foi muito útil. E continua sendo até hoje, pois meu trabalho continua envolvendo muito a atividade de escrever, hoje facilitada pelo uso de computadores e softwares que facilitam muito esse trabalho, pois escrever envolve muito a necessidade de reescrever, e de tirar cópias do que foi escrito, o que no passado exigia o uso de papel carbono e copiadoras antiquadas, que não sobreviveram ao surgimento das modernas impressoras de pequeno porte.
Passando a algo mais sofisticado, quando iniciei meu curso de economia, nos primeiros dois anos fiquei meio perdido, pois recebia lições de teoria econômica, ao mesmo tempo em que vinham outras de cálculo diferencial e integral e de estatística matemática, tudo sem maiores informações quanto a combinar esses ensinamentos na análise econômica de um problema qualquer. Mas tive a sorte de conseguir um estágio com um professor que preparava sua tese de doutorado recorrendo ao uso de econometria, que faz essa combinação de teoria econômica e de métodos quantitativos aplicados à análise de dados. Passei a fazer cálculos econométricos usando calculadoras elétricas, pois os computadores de uso mais amplo ainda estavam surgindo, e só no final desse estágio, de dois anos, é que passei a utilizá-los. Fazia os cálculos, o professor me explicava a razão deles, e junto com a teoria econômica se integravam num todo consistente. Com isso, passei a ter uma noção muito clara do que fazia um economista, gostei muito desse trabalho, e meu desempenho na faculdade até melhorou ainda mais, pois encontrei a resposta a uma pergunta com a qual eu e meus colegas se debatiam, e que é típica de estudantes nos vários níveis de ensino: para que serve tudo isso que estamos aprendendo? Sem uma resposta adequada, muitos perdem a motivação indispensável para o aprendizado.
Essas duas experiências, particularmente a segunda, são típicas do que o livro citado define como competência, ou seja: “… ela se refere a quaisquer características de um indivíduo que faz algo e que levam a um desempenho aceitável ou de destaque. Competências podem incluir habilidades, nível de motivação, traços de personalidade, entendimento de conhecimentos, ou qualquer outra coisa que auxilie na produção de resultados.” Também é dito que: “Embora treinadores, facilitadores ou gestores possam prover experiências que constroem competências desejadas, de modo crescente a responsabilidade primária pelo aprendizado baseado em competências é a de quem as aprende”. É importante que os professores ressaltem essa responsabilidade do aluno, pois essa forma de aprendizado exige um protagonismo discente raramente enfatizado pelo ensino tradicional referido anteriormente.
Atualmente estou procurando entender como aplicar esse ensino de competências no contexto de uma faculdade que terá como foco a atividade comercial. E sei que grande parte do problema está em despertar esse protagonismo dos alunos e a disposição dos professores em adotar essa nova maneira de ensinar.
Aprendizado “peer-to-peer”, que traduzido literalmente é aquele entre pares, mas prefiro chamá-lo de aprendizado em grupo
Nas minhas pesquisas sobre metodologias alternativas já havia lido sobre essa, e achei-a recomendável. Na faculdade que estou ajudando a criar, os móveis adquiridos e sua disposição nas salas de aula já são tais que facilitam a formação de grupos de cinco a dez estudantes para discutirem um assunto sob orientação do professor, num processo que a cada aula culmina com representantes desses grupos narrando as conclusões a que chegaram.
Mas a percepção de que estava no caminho certo se acentuou recentemente quando no mês passado o Sindicato das Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos de Ensino Superior (SEMESP), realizou seu grande fórum anual de discussão de temas educacionais. Entre os palestrantes, trouxe ao Brasil o físico e educador holandês Eric Mazur referido na programação do evento como professor da Harvard University e considerado o “… pai da estratégia instrucional de ensino denominada peer instruction. (Ela) … foi constatada ser mais benéfica do que a discussão ou a aula tradicional. É membro correspondente da Academia Real das Artes e Ciências dos Países Baixos, fellow da American Physical Society e recebeu o Prêmio Presidencial Jovem Pesquisador pelo presidente estadunidense Ronald Reagan”.
Pesquisando sobre o professor Mazur, vi que a origem de sua proposta ocorreu em 1991, quando, “… insatisfeito como aprendizado de seus alunos, resolveu mudar a forma como ensinava e aboliu a transmissão de conteúdos na sala de aula. Seus estudantes deixaram de receber lições expositivas e passaram a ler as matérias em casa, enquanto nas aulas respondiam perguntas por computador sobre as lições e discutiam seus conhecimentos com os colegas. Como resultado, começaram a aprender muito mais. (…) A experiência se tornou um método, batizado de peer instruction (aprendizado entre pares), que vem sendo adotado em universidades do mundo todo, em aulas de todas as disciplinas”.[3]
Segundo ele, “O que a formação por pares faz é colocar a parte fácil da educação – a transmissão da informação – para fora da aula, e a parte difícil – dar sentido à informação – para dentro”. É autor do livro “Peer instruction: A User’s Manual”, disponível na Amazon e entregue no Brasil.
Já encomendei uma
cópia, e vou seguir em frente, procurando reeducar-me como professor via essas
duas alternativas, e reeducar também os alunos para que assumam um protagonismo
maior no processo de aprendizagem.
[1] https://novaescola.org.br/conteudo/1568/qual-e-a-universidade-mais-antiga-do-mundo.
[2] Rothwell, W.J. e Graber, James M. “Competence-based training basics”. Alexandria, Virginia, EUA: ASTD Press, 2010.
[3] Esta e a citação seguinte foram obtidas de http://porvir.org/inovacoes-em-educacao.