O EAD deve ser encarado como um aliado do MEC na defesa do acesso ao ensino superior e na garantia da qualidade
Em 4/7/24 escrevemos aqui uma carta aberta ao sr. ministro da Educação sobre o novo marco regulatório do ensino a distância (EAD), cuja elaboração foi decidida pelo Ministério da Educação (MEC) via portaria 528, de 6/6/24, que suspendeu novos cursos superiores de EAD e o cadastro de novos polos. A portaria afirmou que a nova regulação viria até 10 de março deste ano, o que não se concretizou. Preocupados com o atraso e com a sensibilidade do ministério em relação à regulação, decidimos revisitar o tema. Novamente esclarecemos que os autores são mantenedores de uma instituição de ensino superior e consideram louvável a iniciativa do MEC em atualizar a regulação do EAD. No entanto, apontaremos vários aspectos cruciais a serem considerados pelo sr. ministro.
O EAD não é novidade. Pesquisas mostram que no século 19 já existiam cursos por correspondência na América do Norte e na Europa. No Brasil, a primeira experiência veio em 1939, com o Instituto Radiotécnico Monitor e depois com o Instituto Universal Brasileiro, fundado em 1941, focados em cursos profissionalizantes. Na década de 1970, surgiu o famoso Telecurso, da TV Globo. Aliás, figuras célebres da história mundial estudaram a distância, como Nelson Mandela, que se formou em Direito por correspondência. A expansão do EAD no mundo cresceu enormemente com o avanço da computação e da internet, especialmente na década de 1990, tendência observada no Brasil. No último Censo da Educação Superior do MEC (2023), 71,7% dos alunos ingressantes na rede privada optaram por EAD. Assim, esses cursos têm aumentado substancialmente nos últimos anos, ultrapassando 3,3 milhões de novos estudantes em 2023. Esse fenômeno não ocorre por acaso e deve contar com a sensibilidade do MEC.
É importante que ele veja como possível a oferta de um EAD de qualidade, numa educação que, apesar de virtual, seja humanizada. A plataforma de EAD precisa ser inteligível, intuitiva, funcionalmente agradável e contar com objetos de aprendizagem que engajem os alunos numa experiência acadêmica rica e divertida (videoaula, podcasts, games, e- books…). O suporte ao aluno tem de ser humanizado. Isto é, canais de atendimento em que o aluno se comunique, sem demora, com professores, tutores, profissionais de tecnologia e outras áreas da instituição. Hoje, a inteligência artificial pode ser extremamente útil no saneamento de dúvidas menos complexas. Encontros síncronos também são importantes, especialmente no início dos períodos letivos, com tutoriais para o manuseio das ferramentas digitais. E o mais importante: que os conteúdos curriculares sejam ministrados, por meio dos objetos de aprendizagem, com riqueza acadêmica! Nesse sentido, defendemos o desenvolvimento de conteúdos curriculares pela própria instituição de ensino (portanto, autorais), garantindo a excelência na produção de conteúdos.
O MEC precisa assimilar que o público do EAD é mais vulnerável socioeconomicamente do que o da educação presencial. Segundo a revista Piauí, “os dados do Enade 2022 mostram que, apesar de trabalharem mais horas, os estudantes do EAD têm menor renda familiar (…) Para cada aluno do EAD com renda familiar de mais de nove salários mínimos, há 2,7 no presencial (…). Enquanto 52% dos alunos presenciais têm até 24 anos, somente 19% do EAD têm essa faixa etária. A maior parte dos estudantes em EAD tem entre 31 e 40 anos – são quase 34% dos alunos nesse recorte. Outros 22% têm mais de 41 anos. No presencial, os alunos que passaram dos 40 anos não chegam a somar 9% – uma diferença de 2,5 vezes. Além disso, alunos do EAD trabalham mais: há sete estudantes no EAD para cada quatro estudantes do presencial que trabalham mais de 40 horas semanais”.
O EAD, portanto, deve ser encarado como aliado do MEC na defesa do acesso ao ensino superior e na garantia da qualidade. Nele é possível investigar com maior facilidade a excelência dos conteúdos nas plataformas virtuais, pois estão ali inseridos, gravados, de fácil acesso. Já na aula presencial, a sala é como um feudo, havendo maior dificuldade de se penetrar naquele ambiente. O EAD é tão atrativo que a avaliação do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) para autorização e reconhecimento de graduações presenciais se dá a distância, com avaliadores atuando virtualmente. Precisamos romper com o modelo de educação superior bacharelesco que veio em meados do século passado, focado na pesquisa (essa lógica é tão presente na regulação do MEC que a avaliação de reconhecimento de graduações EAD exige, para obtenção de conceito máximo cinco, que o corpo tutorial seja de pesquisadores, com titulação stricto sensu – mestres e doutores). Esse conceito limita o desenvolvimento do País! Há milhões de brasileiros que querem um ensino superior de formação profissional, empreendedora, tecnológica, e o EAD, que atende a essa legítima expectativa, não pode ser examinado pelo retrovisor.
Roberto Macedo
Economista (UFMG, USP e Harvard), é consultor econômico e de ensino superior
Membro do Conselho Estadual de Educação de São Paulo, é diretor da Faculdade do Comércio, ligada à Associação Comercial de São Paulo